Teoria das Bandas

 

A Física Quântica explica com propriedade o comportamento energético das partículas para um átomo, através de suas funções de onda e da característica ondulatória do elétron. Entretanto, a matéria não se encontra na natureza em seu estado atômico, mas em grandes massas sólidas, líquidas ou gasosas. Verifiquemos o caso específico dos sólidos.

A física do estado sólido é uma vasta área da física quântica onde se trata da compreensão das propriedades mecânicas, térmicas, magnéticas e óticas da matéria sólida. No estado sólido, as moléculas ou átomos não podem mais ser considerados como isolados. A separação entre as moléculas é comparável ao tamanho molecular e a intensidade das forças que as mantém juntas é da mesma ordem de grandeza das forças que ligam os átomos numa molécula. As propriedades de uma molécula serão, portanto, alteradas pela presença de outras moléculas vizinhas. Uma característica dos sólidos cristalinos é o arranjo regular dos átomos numa configuração recorrente ou periódica denominada rede cristalina. O sólido pode ser considerado como uma grande molécula, as forças entre os átomos sendo devidas a interações entre os elétrons atômicos e a estrutura do sólido sendo ditada pelo arranjo de núcleos e elétrons que produz um sistema quanticamente estável.

A Quântica permite descrever o comportamento energético de um sólido cristalino com uma perfeição fascinante, comportamento este já comprovado através de emissão de espectro de linhas da frequência do raio-x de alguns materiais. Advém daí a Teoria das Bandas dos sólidos e um modelo para o funcionamento dos semicondutores, objeto então de estudo qualitativo deste texto.

A Interação Entre Átomos Vizinhos como Funções de Onda

 

A Quântica define que um elétron em um átomo pode assumir níveis discretos de energia, "saltando" de um nível para outro de forma não linear. Ou seja, o elétron comporta-se como uma onda, sendo os níveis de energia proibidos interpretados como "nós" numa corda de ondas, onde não há vibração, portanto não há energia. Mas quando átomos são aproximados, esses elétrons interferem entre si. Ou seja, as funções de onda que descrevem os elétrons individuais se superpõem, somam-se, resultando no desdobramento em mais níveis de energia possíveis. Consequentemente, um dado nível de energia do sistema é desdobrado em dois níveis de energia distintos quando começa a haver a superposição e a separação entre os níveis aumenta à medida que diminui a distância entre os átomos. Verificar a Figura 1 para um gráfico de desdobramento de um nível de energia num sistema de seis átomos.

Figura 1: Esquema do desdobramento de um nível de energia num sistema de seis átomos, em função da separação R entre átomos adjacentes.

Ao se considerar um sistema de N átomos de uma dada espécie, cada nível de um desses átomos dá origem a um nível do sistema N vezes degenerado, quando os átomos estão bem separados. Quando a separação diminui, cada um destes níveis se desdobra num conjunto de N níveis. Quanto maior for o número de átomos acrescentado ao sistema, maior será o número de subníveis contido no mesmo conjunto desdobrado, cobrindo aproximadamente o mesmo intervalo de energia, a um valor de R. Para os valores de R encontrados num sólido, na ordem de alguns angstroms, o alargamento em energia é da ordem de alguns elétrons-volt (eV). Considerando que um sólido contém algo como 1023 átomos/mol, vê-se que os níveis de cada conjunto num sólido estão de tal forma próximos que na verdade constituem praticamente uma banda contínua de energia. Ver Figura 2.

Figura 2: Formação de bandas num sólido. (a) átomo isolado. (b) sistema de alguns átomos. (c) um mol de átomos.

 

Na Figura 2 (a), as linhas indicam níveis de energia permitidos para os elétrons em um átomos isolado. Para alguns átomos bastante próximos (b), as funções de onda que descrevem os elétrons se superpõem e surgem novos níveis de energia permitidos. Em (c), um mol de átomos representa o somatório de tantas funções de onda que os numerosos níveis de energia permitidos formam bandas contínuas de energia.

A Figura 2 (c) ainda mostra que há também bandas proibidas ou lacunas, ou seja, regiões onde não há níveis de energia eletrônicos.

População dos Níveis de Energia

As bandas provenientes dos níveis dos elétrons de subcamadas fechadas de um átomo isolado têm todos os seus níveis ocupados. As bandas provenientes dos elétrons de valência podem estar ou não totalmente ocupadas. Se um campo elétrico for aplicado no sólido, os elétrons vão adquirir uma energia extra somente se existirem níveis disponíveis não ocupados dentro do intervalo de energia que a intensidade do campo elétrico aplicado permitirá aos elétrons adquirir. Se não existir níveis vazios vizinhos, o elétron não poderá ganhar energia nenhuma e o sólido comportar-se-á como um isolante. Se o que poderia ser uma banda totalmente cheia se superpõe ao que poderia ser, a partir de considerações de valência uma banda totalmente vazia, haverá então duas bandas parcialmente cheias. A consequência disso é que um sólido que deveria ser um isolante será na verdade um condutor.

A temperaturas acima do zero absoluto, é obviamente possível para alguns elétrons ganhar energia térmica suficiente para saltar sobre o intervalo de energia de uma banda proibida até uma banda permitida de maior energia, criando buracos na banda inferior e tornando disponível pois uma nova banda permitida. Designa-se a banda quase cheia de banda de valência e a banda quase vazia, ou a banda imediatamente superior à banda de valência, de banda de condução. A probabilidade de isto ocorrer aumenta com a temperatura e depende fortemente da largura da banda proibida. As substâncias nas quais a largura da banda proibida é pequena são chamadas de semicondutores. O silício é um exemplo típico, um sólido covalente, com estrutura cristalina semelhante ao diamante, mas com uma banda proibida de somente 1 eV de largura. No diamante, o intervalo de energia entre as bandas de condução e valência é de cerca de 7 eV. Isso explica o fato de que o diamante é um isolante mesmo a temperaturas relativamente altas.

Semicondutores e Junção PN

Os semicondutores, a exemplo do silício e do germânio, podem sofrer intervenção industrial conhecida como dopagem, que dá a eles características especiais de condutividade. Ao substituir um átomo de silício por um de alumínio no retículo cristalino do silício, haverá portanto um elétron a menos do que havia antes (o alumínio tem 3 elétrons de valência, o silício 4). Isso representa a criação de um buraco, que pode acomodar elétrons vindos de outros átomos. Esse buraco é essencialmente um portador de carga positiva, e o semicondutor assim criado é denominado semicondutor tipo p. As impurezas introduzidas criam do ponto de vista energético níveis discretos vazios ligeiramente acima do topo da banda de valência. Elétrons de valência são pois facilmente excitados para esses níveis de impureza, que podem aceitá-los, deixando buracos na banda de valência.

Se por outro lado, um átomo de silício é substituído por um de fósforo, que tem 5 elétrons de valência, então haverá um excesso de elétrons em comparação com o estado anterior do retículo cristalino. Isso representa, energeticamente, a criação de níveis discretos cheios ligeiramente abaixo da banda de condução. Elétrons deste nível cheio podem ser facilmente excitados e passar para a banda de condução logo acima. Em temperatura ambiente, todos esses elétrons em excesso estarão já na banda de condução. Ver Figura 3.

Figura 3: Esquerda: esquema de níveis de energia de um cristal de silício semicondutor tipo n. Á Direita: silício semicondutor tipo p.

 

A aplicação mais importante desses semicondutores está na chamada junção pn, quando um semicondutor do tipo p é adicionado a um do tipo n, de modo que a interseção entre eles forme uma junção de mudança gradativa de característica de condução. A Figura 4 mostra o desenho esquemático de uma junção pn.

Figura 4: Níveis de energia de uma junção pn não polarizada.

Aplicando-se uma tensão nas extremidades deste dispositivo, com o lado negativo na região p e o lado positivo na região n, o seguinte fenômeno se processa. A energia de todos os elétrons da região p irá aumentar e a energia dos elétrons da região n irá diminuir, aumentando assim a barreira de potencial entre as duas regiões. Elétrons na banda de condução da região n, para ir à banda de condução da região p, têm de subir toda a "colina" de energia que as separam, na junção, além de sofrer a repulsão do campo elétrico negativo do outro lado. Isso resulta numa resistência muito alta na junção e a condução de corrente é mínima, pois a junção está sob polarização reversa.

Se agora conectamos a fonte de tensão com o negativo na extremidade n e o positivo na extremidade p, a chamada polarização direta, a barreira de potencial diminuirá, ou seja, a altura da "colina" de potencial na junção diminuirá. Muitos elétrons na região n terão já energia suficiente para subir essa colina e atravessar a junção, em direção à banda de condução da região p. Ou seja, a resistência da junção cai repentinamente, permitindo alta condução elétrica. Em adição, os elétrons da região n sofrem atração pelo campo elétrico positivo agora presente na região p.

Esse é o princípio de funcionamento do diodo retificador, tornado possível graças à Física Quântica.

Referência

EISBERG, Robert; RESNICK, Robert. Física Quântica, 9. reimpressão. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1994, pág. 563 a 599.

 

por Marcos Portnoi